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março 29, 2024
ARTIGOS TEC.

Mais que a florada, pré e pós-florada é que definem a produtividade

Fonte: José Donizeti Alves e Paulo Mazzafera

Os eventos que antecedem e que ocorrem após a florada do cafeeiro têm um grande impacto na produtividade da lavoura no ano seguinte

De todas as fases do florescimento do cafeeiro, que se inicia com a indução das gemas florais, o último estádio, a florada, é a mais estudada. De maneira bastante resumida, em meados do outono, após a iniciação floral e um rápido desenvolvimento, as gemas florais entram em dormência por conta da elevação do nível de ácido abscisico (ABA), um inibidor da floração. Esta dormência vai se estender durante o inverno, um período seco e frio, e as flores irão se abrir apenas com a chegada das chuvas, liberando as plantas da deficiência hídrica. De modo geral, as flores se abrem após 10-12 dias depois da chuva que não precisa ser maior que 10 mm. Em resposta a elevação da umidade, os níveis de ABA caem, os de giberelinas aumentam, os botões florais saem da dormência e a maioria das flores se abre na primeira hora de um dia de sol. Como a produção do pólen acontece ainda com as flores fechadas, na abertura, aproximadamente 90% das flores já foram polinizadas. A maioria das flores abre no mesmo dia, mas a antese pode se estender por mais dois a três dias. Após 8 horas do início da abertura das flores, as pétalas começam a murchar, secar e cair e esses processos podem durar até dois dias. 

Posto isto, é a florada que mais impacta o agricultor. Mas devemos lembrar que as flores brancas, que tanto enchem nossos olhos, representam o que aconteceu na pré-florada. Logo, fatores negativos durante esta etapa podem afetar o sucesso da produção. Da mesma maneira, fatores negativos pós-florada podem fazer a mesma coisa. Ainda que a florada do café seja magnífica, ela é apenas uma ponte, uma etapa, entre os dois processos, que na verdade, são os que verdadeiramente afetam a produção.

Os botões florais dormentes são estruturas bastante sensíveis. E como mostra a figura ao lado, as pétalas estão agrupadas no centro e protegidas por estruturas chamadas brácteas. Quando começam a crescer, se forma, ao redor dos botões florais, uma camada de mucilagem, que tem como principal função a proteção contra a desidratação. Nesta etapa uma seca muito drástica associada a temperaturas elevadas podem levar danos ao botão e até mesmo provocar sua morte. Acredita-se que as flores chamadas de “estrelinhas”, que são flores com estruturas reprodutivas malformadas e que não sofrem polinização e não produzirão frutos, surjam do efeito do calor e seca nos botões em desenvolvimento, ainda que elas se tornem perceptíveis apenas no florescimento. 

A pré-florada compreende o período entre a saída da dormência dos botões florais (A), ainda verdes, até o abotoamento (C), quando eles adquirem a coloração branca e a mucilagem já não protege as flores fechadas. Em uma fase intermediária e graças a pressão exercida pela entrada da água em seu interior, os quatro botões que estavam soldados (A), se desprenderem um dos outros (B), permitindo o desenvolvimento das estruturas sexuais que compõem uma flor completa. Ao final do processo, o ovário já estará fecundado (C).   

Na florada, calor e seca afetam o transporte de água e nutrientes, mantém níveis elevados de ABA, inibem a síntese de auxinas e de giberelina que são essenciais para o processo de fertilização e formação do tubo polínico, respectivamente, impedem a maturação e a germinação do grão de pólen. Em conjunto, todas essas anormalidades fisiológicas provocarão a queda do botão ou o abortamento de flores. Em consequência, há um baixo pegamento ou vingamento da florada.

Na pós-florada, que se estende da florada (D) até o estabelecimento dos frutos (E), os estresses hídrico e térmico podem também trazer prejuízos, derrubando, principalmente os primórdios de frutos (que nada mais é que o início das divisões celulares para a formação dos tecidos do fruto) que posteriormente, ao crescerem e se desenvolverem formarão os chumbinhos.

Apesar do cafeeiro não suportar secas muito severas, ele apresenta boa resiliência a seca comum que ocorre normalmente no inverno, garantindo que as estruturas reprodutivas resistam as fases de pré e pós-florada, mantendo-os intumescidos. Para isto é necessária a presença das folhas, que muito próximas umas das outras, proporcionam um auto sombreamento que diminui a temperatura em mais de 80% das folhas da copa, evita a escaldadura e reduz sensivelmente a perda de água por transpiração. Isto, somada a um sistema radicular ramificado, volumoso e bem distribuído, que maximiza a absorção e água das camadas mais profundas do solo e garantem a produtividade. 

Como herança das geadas recentes, muitas gemas foram queimadas pelo frio e morreram. Além disso muitos agricultores e consultores têm observado uma super brotação ao longo do ramo em função da perda da dominância apical pela queima das gemas apicais pelo frio intenso. Quanto isto afetará a produção do ano seguinte é uma dúvida, pois algumas gemas que seriam botões florais resultaram em ramos. Entretanto, quando se conhece a morfologia e a fisiologia das gemas presentes em um nó de um ramo de café e compara com o número de frutos em uma roseta e o número de ramos secundários, vê-se que a probabilidade de as gemas seriadas se diferenciarem em gemas reprodutivas é muito baixa, menos que 2%. Portanto, por mais que uma gema se diferencie e emita ramos no lugar de frutos, percentualmente, isso será muito baixo e não deve comprometer a produção. Por outro lado, dependendo da intensidade da brotação e do manejo na fertilização, sempre é observado um efeito compensador, pela formação de vários nós nesses ramos secundários e como tal, comportarão rosetas que aumentarão a produção de café.  Não é a toa que alguns dizem que a geada pode ser vista como uma poda natural do cafeeiro. Mas certamente que esta consideração demanda muito cuidado, pois a extensão da geada pode ter sido maior do que conseguimos ver até agora. 

Este ano já entrou para a história como um dos mais difíceis para cafeicultura. Além de uma seca intermitente que parece não ter fim, tivemos também três eventos de geada em um único mês. Todos esses eventos extremos, prejudicaram o desenvolvimento vegetativo e reprodutivo do cafeeiro em todas as fases fenológicas e vão refletir negativamente nas próximas duas safras. A queda na produção no ano que vem, pela forte pressão ambiental exercida pelo calor e seca na pré-florada e na pós-florada (em áreas em que as flores já abriram), infelizmente já está consolidada e não tem como voltar atras. Só resta torcer para que, com a eminente chegada da primavera, as chuvas, ao contrário do ano passado, voltem em volume e periodicidade adequadas, acompanhadas de temperaturas amenas a fim de reverter o déficit hídrico  do cafeeiro e manter os botões florais umedecidos para garantir um ótimo pegamento dos frutos e mais na frente, evitar a queda de chumbinhos. Caso essas premissas aconteçam, o primeiro passo, nessa longa caminhada da frutificação, será dado e freará a derrocada da safra 2022. Os próximos passos, envolvendo o crescimento ativo dos frutos, a granação, a maturação e a colheita, serão temas de outros textos que, esperamos escrever em melhores condições climáticas. 

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